SESSÃO ARTISTA CONVIDADA

ADEGA (2025)
“Ela tem 10 anos, está sentada num trator cor de laranja, ao lado do avô. A fila de tratores à porta da Adega Cooperativa de Arruda dos Vinhos tem vários quilómetros, chega até à Fresca. Esperam longas horas. Avô e neta descem do trator, o trator é pesado, a uva é descarregada e o trator é pesado de novo.
”Foi a partir desta memória/estória editada Hoje, que o vídeo “ADEGA, 2025” surge, de forma não documental, como um arquivo poético em colaboração com João Romana
(texto: instalação/estórias) e Pedro Inock (sonoplastia).
“… um folhetim sentimental, uma machine à voir, um diário repleto de anotações de passagem e um interminável trabalho de arquivação.”
Miguel Esteves Cardoso escreve sobre a vontade de salvar a alma dos corpos. O seu registo tem um papel importante pois não há nada mais fácil do que esquecer o que já não existe.
ADEGA, (2025) é atmosférico e sobre um espaço arquitectónico fadado à entropia, mas é também sobre preservar as vivências de produção e o trabalho das gentes da terra.

Após a sessão, performance de Pedro Inock e conversa com a Artista, moderada por David Santos (Diretor do Museu do Neo-realismo) e com a participação de Susana Viegas (FILM&DEATH) na Adega Cooperativa de Arruda dos Vinhos.
05 DE OUTUBRO – 15H30
C.R.D.A. e ADEGA COOPERATIVA DE ARRUDA DOS VINHOS
Susana Anágua (Artista Convidada) nasceu em 1976, Licenciada em Artes Plásticas, Mestrado em Artes Digitais em Londres, doutorada em Arte e Cultura Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desenvolve a sua obra a partir de cruzamentos entre Arte e Ciência e a atmosfera de espaços industriais, recorrendo ao vídeo, à escultura e/ou instalação.
Com a participação de:
Ana João Romana (Pesquisa e Textos) (1973), licenciada em Pintura, Mestrado em Gravura em Londres e doutorada na área do Livro de Artista. Expõe regularmente desde 1996 em Portugal e no estrangeiro. Docente na Escola Superior de Artes & Design – Caldas da Rainha. Desenvolve a sua obra na área da instalação e das publicações de autor, tendo como referentes o tempo e o espaço, a história e a estória.
Pedro Inock (Instalação Sonora e Performance) é artista transdisciplinar e investigador, doutorando em Estudos Artísticos na Universidade NOVA de Lisboa e membro do grupo de investigação Film and Death. A sua prática explora as interseções entre imagem, fenómeno, desaceleração e morte na experiência do tempo na contemporaneidade. Entre outras linguagens, utiliza sobretudo a videoarte, o som e a performance. Paralelamente, tem desenvolvido atividades de curadoria e programação em videoarte e imagem em movimento como Gestor de Programação, atualmente ligadas à 4th Wall Video Art Network / Prospect Art, em Los Angeles.
Sofia Santos (Intérprete), licenciada em Dança pela Escola Superior de Dança, integrou criações de Margarida Belo Costa, Sónia Baptista, Francisco Pedro e Alice Duarte, concluindo em paralelo o projeto internacional People Power Partnership “Face Two”, que uniu dança contemporânea, circo, teatro e linguagens urbanas. Como intérprete trabalhou para as companhias Passo e Compassos, CIM e Teatro do Mar e, presentemente, encontra-se a trabalhar com o Pan.OPTIKUM Theatre. A sua formação passou ainda pela Dance Academy Freiburg (Alemanha), Jazzy Dance Studios, Conservatório de Música de Palmela (canto e violoncelo), Escola de Circo Salto e cursos de teatro Bloom.play e F.A.M.E., mantendo sempre uma prática multidisciplinar entre a música, a dança, as artes circenses, o teatro e as artes visuais. Participou em peças como Kadeiraz (Chapitô), Naga (Pedro Ramos/Ordem do O) e A Maior Flor do Mundo (Hugo Cabral Mendes, com apoio da FundaçãoJoséSaramago).
Altar((-
Instalação sonora e performativa
Conceito e sonoplastia: Pedro Inock
Interpretação: Sofia Santos
Stage 1 – Vibração
-Sound Art
:1.0 – Em diálogo.
§
Porque aquilo que se julga abandonado e em decomposição comunica lentamente através de sinais mínimos: pequenas e grandes máquinas imobilizadas, reverberações metálicas, madeira que cede, infiltrações e paredes estaladas, pó em movimento, e passos que parecem ecos do que já não está.
Como se a adega tivesse ainda um corpo próprio, pleno de elementos que surgem metodicamente organizados e que respiram, mas que já não pertencem ao tempo.”
Escutamos e as vibrações do edifício surgem e desfazem-se.
Perguntamo-nos: respira ou estertora?
(…) Pausa
Mas prolongamos a escuta e, activamente, o lugar torna-se outra forma de organismo, torna-se instrumento, imóvel na sua arquitectura mas móvel na sua presença sonora. O que encontramos então é uma troca de forças entre aquilo que permanece e aquilo que desaparece, e a adega, um não-cenário, é agora palco partilhado, onde a ausência se abre em presença, e a ruína, paradoxalmente, em vida.
E produzimos, uma última vez.
Produzimos para arquivar.
Técnica/descrição: Instalação sonora composta por field recordings e manipulação de registos sonoros da adega. No Scale (17’55’, loop), Altar (32’22’, loop) e Adega 54-25 (13’50’, loop).
Stage 2 – Compressão
-Instalação Sonora
Um monólito suspenso paira no vazio do piso superior da antiga adega, envolto em espera e em tecido negro, formando um corpo silencioso e gravitacional, afastado do chão e do uso quotidiano do lugar. Este volume da memória do mundo, que se formou a partir do tecto murmura:
Um dia, dois dias, setenta anos, fim.
Um dia, dois dias, fade out, fim.
Presença, compressão.
Parar em escuta
(…)
Silêncio sem fim.
Em simultâneo, noutra divisão da adega, uma segunda peça ergue-se como contraponto mais terreno do monólito. Possui uma presença própria mas mantém-se vinculada à estrutura suspensa acima. Quando em conjunto com o espectador, as duas obras convergem e o Altar começa a revelar a sua potência ao abrir uma atmosfera partilhada, de ressonância e pressão onde som, tempo e ausência se condensam.
Ao escutarmos, a nossa presença, activa e completa este sistema, e o altar toma forma. A sua densidade cria um campo gravitacional que nos arrasta para um estado de impermanência contínua e irreversível até ao limiar da extinção. Sabemos, porém, que não podemos aproximar-nos demasiado nem transpor um certo limite, porque neste gesto premonitório do Altar, tudo desaparece se o ultrapassarmos, se cruzarmos o limite do esquecimento.
Técnica/descrição:
Estrutura de metal e tecido com 300x300x50cm suspensa com cabos de aço. Instalação de dimensões variáveis. Instalação de som com 7 canais. Com as seguintes obras (Stage 1): No Scale (17’55’, loop), Altar (32’22’, loop), Adega 54-25 (13’50’, loop).
Estrutura de metal e tecido com 300x50x50cm suspensa com cabos de aço. Instalação de dimensões variáveis. Instalação de som com 4 canais. Com as seguintes obras: Altar (32’22’’, loop)
Stage 3 – Finitude, incompletude.
-Performance
Um espectro manifesta-se diante de nós para um último trabalho. Um resto de presença humana, prova da fragilidade de um espaço sagrado num mundo violento.
Na adega, o altar, formado mas incompleto na sua assemblage, nunca é apenas um objecto litúrgico. Antes, impõe-se como algo que somos forçados a enquadrar: o altar “ortodoxo” como limiar entre o sofrimento humano e a transcendência divina. Mas é também um símbolo de persistência, erguendo-se no abandono e na profanação, como gesto humano que repensa, democraticamente, as formas de memória e o tácito desejo de transcendência e de imortalidade.
O espectro atravessa atmosferas em ruína, onde outros altares permanecem despojados da sua santidade. Esses momentos sugerem que o sagrado depende da devoção e da proteção humanas; não é imutável. Quando intacto, o altar irradia estabilidade, é ponto de reencontro entre o divino e a colectividade.
Mas é quando o espectro quebra o silêncio e regressa à imobilidade que a ligação ao altar se cumpre. As imagens criadas e os ícones, destinam-se a ser colocados sobre ou em torno dele. E também o lixo, o entulho, os animais mortos: tudo se vincula ao gesto criador, aproximando a prática artística da função litúrgica. O altar torna-se então o ponto gravitacional invisível das acções: a crise pessoal de fé e de propósito do espectro encontra resolução no reconhecimento de que o seu trabalho serve o altar, a memória e, por meio dela, o mundo.
Assim, o altar afirma-se como centro de uma dialéctica: lugar de destruição e de profanação, mas também de renovação. É nele que reentramos, de forma espectral, na história, apesar do abandono, da violência e do desespero. O espectro torna-se vestígio.
Técnica/descrição: “Compressão”, performance criada por Pedro Inock e interpretada por Sofia Santos.
Duração aproximada de 15min.