4ª EDIÇÃO
Diz-se que começar um texto com uma citação é a tradução de uma mente débil para pensamentos livres. Como tal, não o irei aqui fazer. Pois se assim fosse, estaria a trair a própria essência do que motiva estas breves palavras.
Falaremos de cinema. De criação. Do plasmar em imagens o que abraça conceitos e sensações, poesia e agonia, tristeza e alegria. Falamos de ver o efémero, tanto quanto o de observar o perpétuo. A sétima arte é metáfora da velocidade. Sinónimo de um mundo que, na sua constante mutação, se integra numa depurada esquizofrenia dos sentimentos, incapaz de se autorizar a simplesmente parar. Contudo, encontra, a espaços e por vezes de forma inesperada, uma ferramenta que nos obriga a estar. A simplesmente estar. Cumprimos, de forma inconsciente, o papel de um distante voyeur. Invadimos a mente de personagens fictícias, que nos convidam a viagens; caminhamos numa outra realidade; descobrimos novos mundos; escutamos outros sons, pintamos outras telas.
Palcos que nos carregam em introspeções.
Veículos que nos libertam do quotidiano.
Robert Bresson dizia que o cinema abraça a escrita em movimento. Mas não é só. Conserva em si a capacidade de nos fazer sonhar. E como é importante não o deixar de fazer. O cinema, não raras vezes, deixa-nos admirar com espanto mundos mais de acordo com os nossos desejos. Tanto quanto nos mostra cruéis realidades, ou como nos coloca em confronto com o que de mais íntimo possuímos. Não se esquiva também a parodiar o real, não temendo a hipérbole visual, tampouco se desliga da mediocridade criativa. No fundo, o cinema é somente humano.
No entanto, é também produto de visões específicas. Dos seus criadores. Dos seus protagonistas.
Da coragem, loucura e da ousadia. Neste pressuposto, como não aplaudir aqueles que, com maior ou menor afinco, se dedicam à dinâmica de uma pequena estória? Aqueles que, reduzindo o tempo da sua escrita em movimento, nos mantém ligados à multitude de sensações e sentimentos da sétima arte?
Sim, são curtas, senhores. Curtas-metragens que, sem recusar pretensão, se de nem como a melhor das traduções deste estágio civilizacional em que nos encontramos. Nelas se aglomeram e digladiam o corpus emocional e sensorial que define o cinema, condensado o tempo, de modo a que consigamos, de forma mais perene, não desligar deste(s) mundo(s) a que somos convidados a entrar. São pequenas pontes, que porventura de forma mais imediata e frontal, nos concedem um espelho: de uma sociedade que se tenta constantemente interpretar, e que nos projecta na moldura de um espelho, que, não amiúde, escolhemos não olhar.
E são também nestes pequenos momentos fragmentados da realidade, seja ela onírica ou factual, que percebemos constantemente, o porquê do cinema sonoro ter inventado o silêncio. Quantas são as curtas que se fazem somente de poesia silenciosa? Quantas serão aquelas que nos despertam para uma filosofia do quotidiano, simplesmente por nos mostrarem a sua beleza escondida defronte dos nossos olhos? Quantas vimos já que tanto nos mostram o horror e a comédia da condição humana? Quantas já nos emocionaram? A quantas já fomos indiferentes? E quantas já aplaudimos, impávidos, e, simultaneamente, em discreto agradecimento por terem conseguido mostrar tanto em tão pouco?
Aplaude-se então a permanência deste Festival.
De mais uma edição de um projeto, fruto de uma visão arriscada, mas indubitavelmente ousada, temerária e (porque não dizê-lo?) com uma saudável dose de loucura, aquela que, encontrando-se no ponto certo, cria a memória do eterno.
Arruda dos Vinhos recebe novamente uma iniciativa que constantemente se reinterpreta. Ganha em disciplina o que se moldou na coragem. Cresce na ambição, não deixando de abraçar a genuinidade que lhe deu a forma inicial. Sustenta-se na própria escala do território que a alberga, abrindo cada vez mais os seus braços para que a realidade dê lugar a outros sonhos.
Aplaude-se então a persistência dos seus criadores, tanto quanto a crença daqueles que, ano após ano, se juntam a uma equipa que concede uma nota de superação cultural de uma pequena vila que não se amedronta. Faz-se grande. Porque quer-se grande. Sem vedetismos. Mantendo-se genuína.
Aplaude-se, então e de pé, a 4ª edição do Festival Curt’Arruda, o resultado da tenacidade e da crença e que, tal como o cinema, continua focado naquilo que a imaginação lhe consegue extrair.
A conclusão deste texto? Não existe. Nem poderia existir, pois reporta-se ao cinema, que, tal como disse Orson Wells, “…não tem nem fronteira nem limites. É um luxo contínuo de sonho”.
Gustavo Val-Flores
CICLO REALIZADORa CONVIDADa
Leonor Noivo
Leonor Noivo estudou Arquitectura e Fotografia antes de ingressar na Escola Superior de Teatro e Cinema em 1997, onde s especializou em Montagem e Realização. Em 2006 completou o Curso de Realização de Documentário dos Ateliers Varan na Fundação C. Gulbenkian.
Desde 1999 é anotadora e assistente de realização em filmes de ficção e documentários, tendo trabalhado com realizadores como João Pedro Rodrigues, José Nascimento, João Salaviza, João Nicolau, João Dias, Pedro Pinho, Tiago Hespanha, Luísa Homem, Frederico Lobo, André Godinho, João Vladimiro, Inês Oliveira, Pedro Caldas, Rui Simões, Sol de Carvalho,
João Botelho, entre outros.
Colaborou com diversos criadores da área do espectáculo, na criação de conteúdos e instalação de vídeo, com companhias como o Cão Solteiro, Teatro Praga, Clara Andermatt, João Garcia Miguel ou Companhia Caótica. Integrou as equipas de formação dos cursos de Realização de Documentário com a Associação Corredor (Açores) em 2010 e com a Produtora Vende-se Filmes, no projecto KeLiKela com jovens moradores do Casal da Boba (Amadora) em 2011. Deu formação no acompanhamento de projectos no curso de Cinema do Ar.Co coordenado por Luísa Homem em 2014 e 2015, e actualmente lecciona a cadeira de Montagem coordenada por Carlos Braga no Curso Superior de Som e Imagem na ESAD.
Em 2008 cria a produtora TERRATREME FILMES juntamente com João Matos, Luísa Homem, Pedro Pinho, Susana Nobre e Tiago Hespanha. Desde aí tem desenvolvido, a par da realização, o seu trabalho como produtora na coordenação e acompanhamento de projectos de ficção e de documentário.
Realizou os filmes Macau Aparte (doc, 2001), Salitre (fic, 2005), InsideOut(doc, 2005), Assembleia (doc, 2006), Aeroporto (instalação, 2006), Excursão (doc, 2007), Santos dos Últimos Dias (doc, 2009), EB 26 (doc, 2009), Outras Cartas ou o Amor Inventado (doc, 2012), A Cidade e o Sol (fic, 2012), Capeia (instalação, 2015), Setembro (fic, 2016). Actualmente tem o documentário Raposa em fase de desenvolvimento e prepara a escrita de uma longa-metragem de ficção.
Júri
RUY DE CARVALHO
Com 75 anos de carreira, Ruy de Carvalho (n. 1927) iniciou o seu per- curso no teatro, como amador, em 1942 no Grupo da Mocidade Portuguesa. Estreou-se profissionalmente em 1947 no Teatro Nacional, na comédia “Rapazes de Hoje”, de Roger Ferdinand. Tornou-se um importante actor da sua geração e fundou em 1961 o Teatro Moderno de Lisboa. Tem o nome associado à primeira peça exibida na televisão portuguesa, “Monólogo do Vaqueiro”, de Gil Vicente, quando da criação da RTP, em 1957, e também à primeira telenovela, “Vila Faia”, em 1982. Estreou-se no cinema no filme “Eram 200 irmãos” (1951), de Armando Vieira Pinto e trabalhou com diver- sos realizadores – António Macedo, Manuel Guimarães, Manoel de Oliveira, entre outros. Recebeu vários pré- mios e condecorações como o Grande Colar da Ordem Militar de San’tiago da Espada, em 2010, o grau de comendador da Ordem do Infante, em 1993, e a Medalha de Mérito Cultural, atribuída pela secretaria de Estado da Cultura, em 1990. Em 2012, nos 70 anos de carreira, recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
INÊS N. LOURENÇO
Inês N. Lourenço (n. 1989) é jornalista e crítica de cinema do Diário de Notícias, e autora da rubrica A Grande Ilusão, na Antena 2.
É também colaboradora da revista Metropolis (publicação online), e do site especializado À Pala de Walsh. Concluiu o mestrado em Ciências da Comunicação, pela Universidade Nova de Lisboa, na vertente de Cinema, com uma tese final sobre o filme The River (1951), de Jean Renoir. Fez parte da equipa de jornalistas do programa cultural Câmara Clara (RTP2), e passou por um estágio na Cinemateca Portuguesa, experiência determinante para o gosto de escrever e pensar o cinema.
LUÍS MENDONÇA
Doutorado em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/NOVA), sob orientação da Professora Margarida Medeiros. Tem mestrado na mesma área e pela mesma faculdade, na especialidade de Cinema e Televisão, sob orientação do Professor João Mário Grilo. Deu aulas no âmbito de Cursos Livres concebidos por si em colaboração com colegas da área do cinema e da fotografia. Escreveu vários artigos e participou em inúmeros colóquios sobre cinema, fotografia e filosofia da imagem. Organizou ciclos de cinema e debates. Realizou vídeos, ensaios audiovisuais e a curta-metragem Lu- gar/Vazio (2010). Publicou este ano o livro Fotografia e Cinema Moderno: Os Cineastas Amadores do Pós- -Guerra (2017, edições Colibri).
PAULO VIVEIROS
Professor associado na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, na qual é director do mestrado em Artes da Animação e da licenciatura em Animação Digital.
É doutorado em cinema com uma tese sobre “A composição espacial no cinema digital”, e mestre em ciências da comunicação com uma dissertação sobre a arte vídeo de Bill Viola pela Universidade Nova de Lisboa. Foi bolseiro de doutoramento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Publicou um livro sobre a história estética e teórica do cinema, “A Imagem do Cinema”. Entre 2011 e 2014 moderou o seminário das Lisbon Talks no IndieLisboa. Desde 2014 tem sido júri dos concursos do ICA. É co-director da revista online peer-reviewed International Jornal of Cinema and Media Art.z